Todos nós já acompanhamos alguma exibição de telecatch na TV. Se você for mais velho, lembrará dos anos de Teddy Boy Marino e Fantomas se digladiando. Eu sou do tempo de Diesel, Undertaker, Doink, Shawn Michaels e muitos outros astros da WWF (sim, WWF e não WWE, como ela é conhecida hoje por causa de um pedido judicial da ONG ambiental) quando ela era transmitida pela falecida Manchete.
Era tudo muito divertido, no entanto todos sabíamos que se tratava de armação. A grosso modo, era na verdade uma novela onde ficávamos esperando quem seria o mocinho ou o vilão da vez em meio às mais diversas acrobacias e (simulações de) golpes.
Não é isso que se espera de uma liga esportiva profissional. É até por isso que ninguém hesita em deixar o telecatch de fora de qualquer lista séria de esportes.
O beisebol na grande maioria das vezes entra na lista. O esporte existe profissionalmente desde 1869, com a fundação do Cincinnati Red Stockings. A Major League Baseball (MLB) é a competição mais importante em âmbito mundial e o jogo das bases, luvas e tacos é popular em outros países, como México, Japão, Venezuela, República Dominicana e Cuba.
Uma das acepções que comumente se atribui a um esporte é valorização da aplicação física e mental para a conquista de vitórias. A vitória é um elemento fundamental e definidor do esporte por sua imprevisibilidade. Um time ou indivíduo menos cotado, mas bem preparado, pode vencer um favorito da véspera.
Quando essa aplicação física é subvertida por meio do uso de drogas, nos sentimos manipulados. Mas não da mesma maneira que no telecatch, pois neste já esperamos um entretenimento sem obrigação com os ideais esportivos. Quando isso acontece no beisebol o gosto fica amargo.
O diário americano The New York Times publicou nesta terça-feira (16/6) uma lista de 104 jogadores que usaram drogas em 2003. Essa lista foi gerada a partir dos primeiros exames antidoping realizados pela MLB naquele ano. O documento deveria ter sido destruído pelo sindicato dos jogadores, mas não foi e acabou nas mãos de agentes do governo americano. O principal nome da lista é Sammy Sosa, jardineiro direito que se aposentou em 2007.
O grande momento da carreira do dominicano foi em 1998 quando ele, à época no Chicago Cubs, e o primeira base Mark McGwire, jogando pelo Saint Louis Cardinals, começaram a bater home-runs alucinadamente e iam cada vez mais se aproximando do recorde de Roger Maris, que bateu 61 HRs em 1961. No fim, ambos conseguiram e ultrapassaram o recorde. Sosa terminou com 66 e McGwire com um ainda mais impressionante número de 70.
É interessante notar que essa batalha de home-runs foi extremamente conveniente para a MLB, pois ela ocorreu quatro anos depois de uma temporada que não se concluiu por causa de greve dos jogadores. O beisebol assim, mais ou menos como o hóquei hoje, estava em baixa. O interesse gerado pelos HRs de Sosa e McGwire foi fundamental para que a Major League voltasse aos holofotes com toda a força.
Ao longo do tempo, porém, foi se descobrindo que estes dois e outros grandes batedores como Manny Ramirez, Rafael Palmeiro, Alex Rodriguez, Barry Bonds – que bateu o recorde em 2001, com 73 quadrangulares – e vários outros mais ou menos cotados tiveram algum envolvimento com as drogas melhoradoras de perfomance.
A história do beisebol é extensa e alguns de seus períodos são conhecidos como “eras”. É o caso da Era da Bola Morta, que correu de 1900 até 1919 com a aparição de Babe Ruth, onde os jogos tinham placares baixos e os home-runs eram raros. Ou a Era da Expansão, que foi do fim dos anos 50 até o começo dos 70, onde alguns times se realocaram e outros surgiram.
Até o aparecimento dessas denúncias, o passado recente do beisebol era colocado como a Era da Potência. Hoje, o termo usado é bem mais desonroso. Estaríamos vivendo a Era dos Esteróides.
É ainda mais repulsivo o argumento que alguns tentam usar. O artigo de Howard Bryant nos mostra a “defesa Alex Rodriguez” utilizada por jogadores, torcedores e até alguns eleitores que escolhem quem deve ir para o Salão da Fama do beisebol.
Essa “defesa” afirma que os jogadores na verdade foram pegos como “parte de uma cultura”, como se os esteróides simplesmente aparecessem no ar como uma doença contagiosa e que eles se drogavam sem malícia. Quando na verdade os indivíduos que deveriam valorizar a aplicação física e mental usaram de seu poder e proeminência para criar uma cultura de esteróides. Eles não apenas mentiam. Eles se aproveitaram da conivência de toda uma indústria – e dos torcedores e da imprensa, deve-se deixar bem claro – para subverter os valores que regem o esporte.
Assim, a vitória passa a perder o seu valor. Assim, o beisebol é vitimado e padece do mesmo gosto amargo que atinge o ciclismo. E dessa maneira, parece tão imprevisível quanto o encontro entre o mocinho e o bandido numa luta de telecatch.
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